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domingo, 3 de julho de 2011

Decifra-me e ainda devoro-te



Trago uma sombra grudada à minha alma, colada e pegajosa. Estica e volta - mais forte. E ela sempre retorna...sob outras vestes - não me enganas, finjo que sim. Regressa mais lúcida e também pesada. Por vezes perco a noção da realidade, tamanha cruel verdade pulsa despida por ela. Meus sentidos descortinam as certezas como sendo a essência da relatividade, contradições e paradoxos. Embaralham-se minhas mil. 

Sinto-me só, sei-me só, já esgotei minhas tentativas – frustradas – em vestir a roupa que me escolheram, para que eu coubesse em suas cartilhas. A que me cabe é espalhafatosa e sombria; é fluida e derrapante; traz marcas de cigarro e de amores; bebedeiras e estradas; o masculino no feminino [e é minha!]. Tecida e costurada por meus tropeços, saltos e quedas napoleônicas. Não é fácil vesti-la...às vezes aperta-me tanto que sufoca...nessa hora explodo.

Preciso de espaço, mas preciso também de alguém que me acompanhe – não tão de perto - que não me prenda ou se perca - que me defenda da autodestruição que vem agarrada ao calcanhar de meu gozo. Esta é nossa conexão, ofereço minha criatividade destilada e minha alma expandida em troca de proteção sem grade e limite sem bordas para minha inesgotável impulsividade de ser.  

Meu amor tem formas e ângulos estranhos à visão diurna, é intenso e instável, ainda que duradouro em suas marcas. Não sei ser de outro jeito. Quando tentei , senti a morte acariciando meus cabelos, sedutora – como eu. Trago pessoas ao meu mundo mágico e excitante, como faz o  escorpião ao cortejar sua vítima, logo fatal, apenas por ser sua natureza. Incorporo-as com respeito sublime por sua entrega, inocente e desmedida . Sou o mais doce dos venenos, de tão saboroso, só percebem a armadilha quando já noite se fez, quando sua alma já está tatuada e torturada – de mim. Vegeto agonizante sem essa sombra que me cabe tão perfeitamente ao me conduzir a labirintos obscuros ocultados em passeios inebriantes.

Sinto-me em pedaços, desaparecendo, desintegrando, cindida em mil almas diferentes e inevitavelmente interligadas. Terrivelmente feliz. A ansiedade me toma de supetão, mas é aqui que me reconheço. Entorpecer-me apaga a luz da minha excêntrica existência. A salvação – aos olhos alheios – transforma-me em uma montanha-russa em linha reta – segura e sem utilidade. Sou egoísta demais para presentear-lhes com tamanho sacrifício.

“Quem é essa agora”? Não importa, assumo cada máscara ainda que deformada pareça. Orgulho-me daquilo que a maioria mais teme – não por rebeldia ou insensatez, por necessidade. Urgente e impulsiva, cada sensação me espalha em cores, exposta ao julgamento [impiedoso] da normalidade, com leis tão estranhas quanto sem sentido para mim. Mergulho nas profundezas do desejo de forma que apavoro o enjaulado, preso antes mesmo de nascer [em cativeiro]. Apavora-se porque faz querer desejar. E desejar é perigoso, traz à tona a mais pura essência do ser “demasiadamente humano”, que se mortifica ao não enxergar sua face deturpada na tábua fria dos dez mandamentos cristãos.

Não consigo encaixar a palavra arrependimento em minhas linhas. É algo mais nobre que isso, um profundo pesar pela dor que minha passagem causa, por vezes. Não há orgulho em machucar alguém sem possibilidade de defesa - é covardia demais – e covarde não sou - repito se cessar.

Se a culpa me acompanha? Cada vez menos. Quanto mais mergulho no íntimo dos meus ‘eus’ e na diversidade imprevisível do mundo que me habita, menos dói-me a consciência fatigada em desalinhos. Os opostos e nefastos se entrelaçam no DNA humano como se agarra o feto ao útero materno. Reconhecer isso é libertar-se. E essa liberdade traz como brinde funesto a solidão do despertar em terra de dormentes e a pesada carga da incompreensão.

É inútil tentar me consertar, vai sempre faltar um pedaço que nem a mais trabalhada peça poderá preencher. Suponho que a motivação para que reis e bastardos queiram me salvar de mim, seja a idéia de que sofro minha existência e isso é louvável - ainda que inútil. [Ou seria para não mais se fazer sofrer, comigo?]

Caminho de mãos dadas com a Dor em um tapete de rosas, com suas pétalas aveludadas e espinhos maledicentes que machucam e curam meus pés ávidos pela experiência de toda cor, vermelha e cinza também. Imploro que não me resgatem do meu vazio, ele clama por minha presença e eu tenho sede dele tal qual fosse combustível para me manter em vida – viva. 

Respiro arte...inspiro sonhos...[e pesadelos também]

Anita Lester

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